terça-feira, 17 de junho de 2014

Da fazenda à mesa, com direito a um sorriso

Um fato injusto (porém inescapável) da desigualdade é o seguinte: o lugar onde você nasce importa. Isto é válido inclusive se você for um frango. "Se você é uma galinha", escreveu Stephanie Strom recentemente no "New York Times", "você quer viver na Califórnia".
Isso devido às novas leis do Estado regulamentando o funcionamento de granjas, as quais entrarão em vigor só em janeiro, mas já melhoraram as condições de vida de muitas galinhas. O espaço necessário para cada ave vai quase dobrar, o suficiente para deixar as galinhas se levantarem e esticarem totalmente as asas.
As condições são semelhantes para produtores de fora do Estado que vendem ovos por lá.
Nos EUA, a maioria das galinhas poedeiras ainda vive em gaiolas do tamanho de uma gaveta de arquivo-gabinete.
Três outros Estados (Michigan, Oregon e Washington) já aprovaram leis semelhantes, e outros estão analisando a ideia.
Arnie Riebli, chefe de uma entidade setorial, lutou contra as novas regras no início, mas mudou de ideia depois que algumas pessoas visitaram sua granja. "Eu trouxe gente para passeios e mostrei o que fazíamos -as pessoas caíram no choro", disse Riebli. "Os produtores de outros Estados não querem ouvir falar de bem-estar animal, mas eles estão ignorando a opinião pública."
Na Índia, as atitudes estão mudando entre os produtores de leite, que acreditam que a felicidade das vacas pode ser recompensada na forma de leite mais saudável e com maiores lucros. Dada a veneração às vacas já existente na Índia, esse não é, talvez, um salto tão grande como foi para os frangos da Califórnia.
Ainda assim, bois em grande parte do mundo ficariam felizes em participar de uma cena como a descrita pelo "Times" na fazenda leiteira Orgulho das Vacas, em Gurgaon: "Centenas de vacas pretas e brancas da raça Holstein-Friesian curtiam sua preguiça pela área, comendo verduras da estação e ouvindo um repertório personalizado de rap, pop, música clássica e até música religiosa. Elas são tratadas com uma rotina de check-ups médicos antes de irem para a 'sala de ordenha rotatória', onde seus úberes são suavemente espremidos, até as vacas se afastarem, por conta própria."
O esforço indiano para tornar as vacas mais felizes é, em grande parte, devido à preocupação com a qualidade, especialmente tendo em conta um escândalo envolvendo a pureza do leite, há dois anos. "Os grandes laticínios são um veneno", disse Sanjay Sharma ao "Times". "Veja como nós só ganhamos uma ou duas medalhas nos Jogos Olímpicos. As pessoas não estão mais crescendo adequadamente aqui."
Sharma, ex-instrutor de voo nos Estados Unidos e na Europa, criou sua própria fábrica de laticínios porque não gostava do leite disponível na Índia. Numa fazenda sua, contou, funciona um "spa de vacas", com cachoeiras artificiais caindo no pasto. Até criações que alguns acham repulsivas estão tendo a vida mais fácil. O "Times" noticiou recentemente o crescente número de porcos sendo criados em pastos americanos, em vez de limitados a celeiros industriais. Mas os porcos enfrentam uma realidade que nem cachoeiras e jazz podem mudar: não há ovos a botar nem leite para dar. Só presunto.
Isso levanta questões totalmente diferentes para os consumidores. Chuck Klosterman, que escreve a coluna "Ethicist" na "Times Magazine", foi recentemente questionado sobre a conveniência de comer carne se o consumidor não puder realizar o abate pessoalmente.
"Eu sou um hipócrita por pagar alguém para fazer o meu 'trabalho sujo'?", indagava o leitor.
Klosterman propôs uma experiência: "Assista a vídeos de vacas no YouTube por dez minutos. Depois disso, passe mais dez minutos lendo artigos expositivos e apolíticos sobre as práticas de abate de gado nos EUA. Se você ainda quiser um hambúrguer depois desses 20 minutos, não precisa mais se preocupar com esse problema." ALAN MATTINGLY
Envie comentários para nytweekly@nytimes.com. NYT, 17.06.2014.

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