quinta-feira, 3 de julho de 2014

MP segue lei florestal antiga em Minas: Promotoria obriga produtores de Uberaba a cumprir acordos feitos antes do novo Código Florestal, em vigor desde 2012

Polêmica envolve uso de áreas de preservação ambiental para cumprir reserva legal, previsto na legislação federal
GISELE BARCELOSCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE UBERABA (MG)
Fazendeiros de Uberaba (MG) se tornaram alvos de ações do Ministério Público Estadual que os obriga a cumprir acordos feitos com base na lei ambiental estadual anterior ao Código Florestal, em vigor desde 2012.
A polêmica, que rendeu pelo menos 30 ações judiciais já finalizadas, está em qual lei atender: a atual (federal) ou a antiga (estadual).
Pelo código atual, os produtores podem considerar as áreas de preservação ambiental na soma da reserva legal obrigatória. A lei estadual foi atualizada em outubro de 2013 para se adequar às novas regras federais.
O imbróglio envolve acordos firmados a partir de 2011 por fazendeiros com a Promotoria, para adequar suas áreas às normas vigentes à época.
O Sindicato Rural de Uberaba estima que 400 produtores respondam a processos devido ao impasse. De um lado, os produtores querem seguir as regras do novo Código Florestal. De outro, o MPE defende que os proprietários cumpram os acordos pelos termos antigos.
AÇÕES
A agricultora Stela Maris Maia, 68, se envolveu em uma disputa judicial. Sua propriedade não tem 20% de reserva legal com mata nativa, o que fez com que ela fosse condenada a pagar multa de R$ 86 mil. Em segunda instância, reverteu a decisão.
"Levaria dez anos para pagar", disse ela, que tem área de dois alqueires --48 mil m2.
Pelo novo Código Florestal, ela estaria isenta da recomposição da reserva legal. A lei em vigor assegura às pequenas áreas que a reserva pode ser constituída pelo índice de vegetação nativa existente até julho de 2008.
Romeu Borges, presidente do Sindicato Rural, estima que 30 ações já foram julgadas em primeira instância, 70% favoráveis a produtores. Para ele, o posicionamento da Promotoria é ideológico.
"Se quiser entrar com Adin [Ação Direta de Inconstitucionalidade] para contestar o que os políticos aprovaram no Congresso, é um direito. Mas não pode usar o produtor como manobra do questionamento", afirma.
O promotor Carlos Valera disse que seguirá com ações até que haja uma decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (leia ao lado).
Especialista em direito ambiental, o advogado Evandro Grili disse que as leis estaduais incompatíveis com a nova regra federal foram automaticamente revogadas.
"É inviável para o produtor rural atender às exigências da lei estadual antiga", disse Grilli.
Além de custos processuais, o presidente do sindicato diz que ruralistas menores estão com dificuldade para renovar financiamentos e que, devido a multas, alguns têm restrições bancárias.

OUTRO LADO
Acordo prevê regra estadual, diz promotor
MPE diz que regra a ser cumprida é a da data em que acordo foi assinado e que produtores tiveram 3 anos para se regularizar
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE UBERABA (MG)
O promotor de Uberaba Carlos Valera diz que a validade dos acordos com os produtores está baseada na premissa do "ato jurídico perfeito", que prevê a aplicação da regra vigente na data em que os termos foram assinados.
"Quando os acordos foram assinados, em 2011, eles se tornaram atos jurídicos perfeitos e estava expresso [no texto] que teriam que cumprir a lei estadual 14.309 de 2002. Essas pessoas [fazendeiros] tiveram três anos para fazer a regularização, mas simplesmente não fizeram", diz.
Além disso, o promotor afirma que até agora os produtores não mostraram o cumprimento da lei ambiental nos processos em tramitação. "Os acordos não foram cumpridos na regra antiga e, muito menos, na nova."
Valera diz reconhecer que os produtores rurais tiveram algumas sentenças judiciais favoráveis em primeira instância, mas afirma que também houve decisões favoráveis ao Ministério Público.
Por isso, ele diz que levará a discussão para as esferas jurídicas superiores, até o STF (Supremo Tribunal Federal) julgar as Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) referentes aos dispositivos do novo Código Florestal.
Na tentativa de barrar as ações, o sindicato rural entrou com representação, em maio, contra o promotor no Conselho Nacional do Ministério Público. O caso está em análise. Valera diz que, até sair uma decisão, vai continuar com as ações contra os produtores que não assinarem novos acordos para cumprir as medidas anteriores.
Os conselheiros podem arquivar a representação ou pedir a abertura de um processo administrativo contra o promotor. Eles também podem conceder liminar aos ruralistas e suspender as ações, se comprovado dano. Folha, 03.07.2014.